Quem foi Mário Cesariny?
Poeta, pintor e referência fundamental do surrealismo português, Mário Cesariny é tido como uma das maiores vozes da poesia portuguesa do século XX, sendo de destacar ainda o seu trabalho de antologista, compilador e historiador, um tanto polémico, das atividades surrealistas em Portugal.
1. A vida em casa não era fácil.
Mário Cesariny de Vasconcelos nasceu a 9 de agosto de 1923 na Vila Edith, na Estrada da Damaia. O pai, Viriato de Vasconcelos, era ourives (com uma oficina na Rua da Palma) e a mãe, María de las Mercedes Cesariny, parisiense (de ascendência espanhola) e professora de francês. Da infância, Mário Cesariny recordava que a vida em casa não era fácil. O casamento entre os seus pais não tinha sido feliz e as discussões eram recorrentes. A imagem que ficou para sempre gravada na cabeça de Mário Cesariny foi a do pai, de um lado, “ameaçando tudo e mais alguma coisa”, e a mãe do outro, com os quatro filhos encolhidos atrás dela.
2. Ser surrealista
O Surrealismo encontrou-se com Mário Cesariny “por volta de 1945 ou 1946”, quando Alexandre O’Neill e o artista português descobriram um livro História do Surrealismo, de Maurice Nadeau, que a censura das fronteiras deixou passar. Foi através das palavras deste livro que tomaram a decisão de se tornarem surrealistas, pois a corrente artística “representava a realização total do nosso estado de espírito, a defesa do amor, da liberdade e da poesia”. “Ao contrário de muitos, Cesariny tornou-se surrealista pelo facto das diretrizes do movimento serem a forma da sua coincidência. “A luta desesperada pelo amor, pela liberdade e pela poesia. Parece que é uma trindade que vem substituir a Liberdade, Igualdade, Fraternidade: Liberdade, Amor, Poesia – é viver isso. É um bocado complicado, não é?”, questionou numa entrevista ao Público, em 2002.
3. Poesia e a pintura andaram sempre de mãos dadas com Mário Cesariny
Mário Cesariny escrevia, pintava e desenhava com regularidade desde os 19 anos e sempre exatamente por essa ordem. A poesia veio primeiro e só depois chegou a pintura, que acabaria por invadir o seu mundo. Publicou o primeiro livro, Corpo Visível, em 1950, um ano depois de ter formado “Os Surrealistas”. Seguiram-se outras publicações maioria, antes do 25 de Abril — Discurso sobre a Reabilitação do Real Quotidiano (1952), Louvor e Simplificação de Álvaro de Campos (1953), Manual de Prestidigitação (1956) e um dos melhores, Pena Capital (1957), entre outros.
4. A obra pictórica de Mário Cesariny não se encaixa no termo normal da pintura
A obra pictórica de Mário Cesariny não se encaixa na ideia normativa de pintura. As suas peças tem uma característica muito própria sendo como poemas-objeto”, pois são compostas essencialmente por colagem, poemas e objetos. Mário Cesariny escrevia, pintava e desenhava pois toda a sua produção artística estava interligada. O artista português participa muitas vezes de poemas para criar desenhos, e de um desenho para criar um poema, sendo sempre um trabalho circular. Reconhecido desde sempre como um grande poeta, Mário Cesariny nem sempre recebeu o reconhecimento que merecia enquanto artista plástico devido aos problemas que teve com o primeiro grupo surrealista.
5. Adorava a vida do café
Estes livros foram todos escritos à mesa dos cafés como o artista português gostava tanto. Durante toda a sua vida, Mário Cesariny gabou-se de nunca ter escrito uma linha em casa. Sabia de cor todos os poemas, que ia construindo dentro da sua cabeça enquanto cruzava as ruas lisboetas e que só depois passava para o papel. “Cafés que resumiam o seu entendimento da vida. Café-manicómio, cafés-convés, café-asilo, café-escritório, café-quase salão e, pois claro!, café-de-engate.” Mas, apesar de ser viciado em cafés, “Pedia uma água mineral.” escreveu o amigo José Manuel dos Santos num artigo publicado no jornal Público em dezembro de 2006.
6. Foi detido pela PIDE várias vezes
Apesar do carácter transgressor dos seus poemas, Mário Cesariny teve a sorte de nunca chegar a ver os seus livros apreendidos pela censura. Os livros podiam passar despercebidos mas Mário Cesariny não passava. Antes do fim da ditadura, esteve detido em várias ocasiões por suspeitas de vagabundagem, “um termo que se aplicava a pessoas assim um bocado esquisitas” — os anarquistas, videntes, blasfemos e revoltosos e homossexuais. Apesar de ter sido frequentemente detido pela polícia, o artista voltava sempre à vida de antes.
7. Miguel Gonçalves Mendes realizou o documentário Autografia sobre Mário Cesariny
É dos últimos anos de vida que datam a grande parte das entrevistas de Mário Cesariny. Sempre alheio às luzes da ribalta, Mário Cesariny aceitou de bom grado a atenção que lhe foi dada nos últimos anos de vida. Em 2004, Miguel Gonçalves Mendes realizou o documentário Autografia, onde o poeta e pintor se expôs, na mesma altura em que o Museu da Cidade de Lisboa exibiu uma retrospectiva da sua obra.