A Coleção do artista José de Guimarães
Atualmente em exibição no Centro Internacional de Artes José de Guimarães, a coleção do artista José de Guimarães, é composto por tribal africana, arte arqueológica chinesa (jades, bronzes e terracotas) e arte pré-colombiana do México, Peru, Guatemala e Costa Rica (terracotas, têxteis e metais), e um conjunto representativo da sua própria obra. O número de artefactos coleccionado ao longo de mais de quatro décadas cresceu a par da sua vida: ida para Paris, visitas aos museus de todo o mundo e uma densa bibliografia como parte da pesquisa que sistematicamente empreende sobre os especímenes que recolhe.
José de Guimarães coleccionou para compreender o outro (a qualidade de ser) e os outros – aquilo que é diverso, que tem herança e hábitos radicalmente diferentes dos seus. O artista refere-se ao seu projecto como um projecto espiritual, como uma viagem (individual) em forma de círculo em que se cumpre uma espécie de (eterno) retorno à condição mesma da origem (colectiva). De certa forma, essa viagem é um exercício espiritual, no sentido lato do termo, um reiterado ritual, uma maneira de proceder, uma renovada e sempre exigente descoberta, a descoberta de si através do outro. Esta colecção de arte corresponde ao mapa mental, ao atlas que o artista foi desenhando através das viagens que estruturou na sua pesquisa artística e humanista. O resultado é um junção de peças que traduzem as preocupações, obsessões, o imaginário cuja natureza é um ser poroso, mestiço, canibalista. O tema da morte é predominante, desde logo pela omnipresença de peças funerárias, mas igualmente pela natureza arqueológica das colecções. Descubra as características de cada coleção inserida no Centro Internacional de Artes José de Guimarães.
Período Africano
Como Nuno Faria afirma, o período angolano operou uma transmutação radical no pensamento e linguagem de José de Guimarães, sendo disso o testemunho mais palpável o Alfabeto Africano, realizado entre 1970 e 1974, que é, em síntese, a aquisição de uma nova linguagem influenciada pelo pensamento ideográfico, próprio da cultura tribal africana. O Alfabeto é a aprendizagem de uma língua baseada numa riqueza cosmogónica, numa reinvenção permanente do mito fundador e não reificada ou mediada pela palavra. Dizer, comunicar com (o) outro, implica uma negociação com a complexidade e a diversidade radical da natureza, uma capacidade transformista e animista, o uso da imaginação e a convocação das dinâmicas criadoras fundadoras. Da aprendizagem da arte africana, na sua forma primitiva, ritualística e iniciática, o artista tomou aquele que é o vocabulário, a base de todo o seu trabalho, cuja gramática, operando por articulação de fragmentos recorrentes em possibilidades combinatórias, remete para a linguagem ideográfica própria de uma cultura de matriz oral que opera por transmissão e troca directa, objectual e metafórica. Os ideogramas, a utilização do símbolo, a forma clara, traduzida normalmente em negativo por via do uso da silhueta tornaram-se, mais do que uma importante forma de reconhecimento, a possibilidade de superação de uma visão dialéctica e retórica do mundo. As máscaras tornaram-se um símbolo desta coleção mas também é um símbolo do território africano. Entre 1960 e princípios de 1970, a máscara aparece no imaginário de José de Guimarães, convocando e representando os espíritos dos antepassados, ao combinar não raras vezes motivos humanos e animais numa tentativa de unir o homem ao seu ambiente natural. A máscara torna-se um motivo recorrente no trabalho de José de Guimarães, obsessivamente revisitado, a preto e branco ou a cor, desenhando à vista ou em imaginação, como se o acto de fazer fosse um ritual de possessão ou de transformação – o exercício sempre reiterado de fazer-se passar por outro para se reencontrar consigo próprio. São cerca de 2000 os itens que integram a colecção de África de José de Guimarães, começada em 1967 em Luanda, após uma visita ao Museu de Angola que o assombrou para sempre.
Arte Pré-Colombiana
Esta coleção demonstra a multiplicidade da riqueza desta terra. Pedra, madeira, cerâmica tornaram-se suporte numa colagem única de beleza e complexidade, neste vasto domínio que reune cerca de 300 peças. A peça Costa Centro-Norte (Peru), 700 – 1000 d.C. — é uma boa amostra da complexidade ideológica e da intensidade dos movimentos de povoações e de ideias que tiveram lugar em finais do período que conhecemos como Horizonte Médio ou Huari. Durante estes séculos foi produzida uma grande quantidade de materiais, especialmente têxteis, de procedência nortenha, que se encontram em locais da costa central, como o grande santuário de Pachacámac, nos arredores da atual cidade de Lima. Para além disso, foram produzidos nestes vales da costa central peruana imitações locais de tecidos que reproduzem a iconografia das produções do norte. A temática da morte converteu-se entre os astecas, ou mexicas, numa imagem “de Estado”, surgindo o seu principal emblema, a caveira, em muitos suportes artísticos: códices, decoração arquitectónica ou, como neste caso, escultura em pedra. Os Astecas fundaram um grande império, cuja capital, México-Tenochtitlan, foi uma das urbes mais importantes da América pré-colombiana. Todos estes objetos faziam parte de espólios funerários que traduziam a importância que o defunto tinha tido em vida, dentro da sua comunidade. Esta prática foi comum a todas as culturas andinas ao longo do Período Pré-hispânico e sobreviveu mesmo após a chegada dos espanhóis, criando-se um complexo sincretismo religioso entre as novas crenças cristãs e os antigos ritos andinos.
Arte Chinesa
A coleção da arte chinesa reunida por José de Guimarães representa um dos períodos mais significativos da história cultural e artística da China. A coleção de jades, bronzes e terra-cotas constitui uma aproximação a um imaginário que reflete as estruturas matriciais do pensamento ético e estético da civilização chinesa. A natureza ritual, cerimonial, sacrificial e transcendental dos objetos é o elemento fundamental para a escolha dos materiais. Alguns dos objetos inseridos nesta coleção são as armas de jade desempenhavam um papel fundamental no contexto dos rituais sagrados e das cerimónias oficiais de Estado, sendo utilizadas quer como objetos sacrificiais quer como símbolos de poder; Os modelos de fogões em terracota vidrada foram bastante populares durante a dinastia Han, como um elemento essencial da vida quotidiana na preparação de alimentos. A abertura quadrada ou retangular inferior ao centro servia para colocar a lenha e manter as temperaturas elevadas. E por fim, à semelhança dos recipientes de tipo ding (鼎), os jarros para vinho de tipo hu (壺) foram profusamente produzidos durante toda a Idade do Bronze, apresentando, no entanto, características específicas de acordo com as tendências da época, tanto ao nível da forma como ao nível da decoração. Tradicionalmente, os hu são recipientes para vinho em forma de pêra com duas pegas laterais, podendo ter uma tampa. Durante a dinastia Shang eram frequentemente decorados com grandes máscaras taotie (饕餮), enquanto que durante a dinastia dos Zhou Ocidentais a ornamentação com animais reais foi privilegiada.