É oportuno recordar João Vieira.
Hoje, porque na nossa Galeria acolhemos obras suas; Sempre, pois se trata de um artista plástico de invulgar estatura no panorama das artes Lusas com uma dimensão que ultrapassa o perímetro que em torno delas vem sendo usual - para não dizer vulgar – delinear-se.
De 1951, aquando da sua passagem (breve de dois anos…) pela Escola de Belas Artes de Lisboa, até ao seu desaparecimento ocorrido há praticamente seis anos, o seu legado ainda carece de mais lata divulgação e de mais profundo estudo. Felizmente apraz-nos registar que João Vieira ainda concita interesse e excita a curiosidade da descoberta.
Em 1956, integrado no que se passou a denominar “Grupo do Café Gelo”, trabalhando nuns aposentos co-arrendados, com José Escada (1934-1980), René Bertholo (1935-2005) e Gonçalo Duarte (1935-1986) situados no piso por cima do referido Café, exibiu pela primeira vez numa exposição colectiva em Lisboa.
No ano seguinte, em Paris, estuda com Henri Goetz (1909-1989) na “Académie de la Grande Chaumière” e trabalha com Arpad Szenes (1897-1985).
Em 1958, o “Grupo do Café Gelo”, agora em círculo alargado com as participações de António Costa Pinheiro, da Madeirense Lourdes Castro, do Búlgaro Vladimirov Javacheff (Christo) e do Alemão Jan Voss, co-funda o “Grupo KWY” que deu o nome à revista que se publicou até 1964. De notar que as letras escolhidas como designação deste círculo, kwy, são as que não constam do alfabeto Português aventando-se a sua expressa e propositada eleição como meio de quererem significar “Ká Wamos Yndo”. Desta revista foram publicados 12 números que reúnem um notável conjunto de obra plástica e literária.
Na Galeria do Diário de Notícias, em 1959, acontece a sua primeira exposição individual. No ano seguinte realizou-se em Lisboa, na Sociedade Nacional de Belas Artes, a primeira exposição do “Grupo KWY”.
Em entrevista concedida em 2006, João Vieira, na apresentação do seu livro sobre Cesário Verde (1855-1886), em jeito de esclarecimento, afirmou:
“Desde o momento que pinto com letras é tudo relacionado com Cesário Verde. Comecei a pintar com letras porque queria fazer poemas com pintura”.
A sua obra “Equação”, de 1959, marca um exercício de síntese que é transversal a toda a sua obra posterior: os alfabetos, grego e latino, e os textos dos seus poetas de eleição, Cesário Verde e Herberto Helder (recentemente falecido).
Entre 1964 e 1967, vemo-lo como professor no “Maidstone College of Art”. De volta a Lisboa dedica-se à cenografia teatral e esporadicamente à televisiva, as quais são praticamente matriciais da exposição na “Galeria Judite Da Cruz”, em 1970, intitulada
“O Espírito da Letra”.
Nas décadas de 70, 80 e 90 expôs, individual e colectivamente com alguma regularidade. Todavia, em 2001, há que destacar a exposição do “Centro Cultural e Belém” especificamente retomando o “Grupo KWY”, o seu acervo, significados e repercussões.
Preparava afanosamente uma exposição individual a realizar na “Cordoaria Nacional” que a sua morte inviabilizou.
Neste momento, até 27 de Setembro o “Museu da Fundação de Serralves” no Porto” (entre 23 de Maio e 27 de Setembro) expõe obras do seu acervo de artistas do “Grupo KWY”.
Qual a causa justificativa do interesse nas temáticas “KWY”?
Desde logo o seu carácter eclético, aberto e descomprometido com classificações, tendências de cariz escolástico e dogmático. Acresce a lucidez dos seus membros na correcta interpretação do momento histórico em que se integravam: o reerguer da Europa post Guerra e o estímulo advindo do ímpeto das profundas modificações políticas, económicas e sociais em desenvolvimento.
Os “KWY” não publicaram um único programa ou manifesto artístico, à semelhança de outros movimentos que lhes precederam. Não se ocuparam em estabelecer nenhuma regra, nenhum sistema métrico e de teorias, como legado pomposo da sua genialidade às gerações vindouras, mas ao invés, como diria Kipling, “sem pretensões de sábio a dar lições de amor” (na versão de Félix Bermudes).
Contudo, sem ser um movimento, os “KWY” cruzam-se com outras publicações contemporânea como a “Sens Plastique” e a “Daily.Bul” e com outras manifestações tais como a “Nova Figuração”, Portuguesa, o “Nouveau Réalisme”, o “Espírito Fluxus”, o “El Paso”.