A representação de Jesus Cristo crucificado é uma temática recorrente na religião católica, pela relevância deste episódio e simbologia da cruz. Este ícone matricial manifesta o sofrimento de Cristo, mas também a sua salvação. Este é representado tradicionalmente com os braços e pernas esticadas e pregadas, que acompanham o formato da própria cruz. Esta prática cruel, cometida durante vários séculos, que tinha como objetivo uma morte pública lenta e dolorosa de forma a intimidar a população, ficou eternamente marcada pela morte de Jesus Cristo.
A iconografia do sofrimento e morte de Cristo tornou-se, na história da arte, uma forma de representar as emoções humanas e explorar diversas técnicas a partir de uma missão católica de sensibilizar o espectador. A partir do século XX, os artistas começam a representar este momento com as suas próprias emoções e linguagens artísticas singulares. De forma a percebermos como os artistas retratam este episódio relevante para a religião católica, partiremos numa descoberta que se iniciará com a origem desta prática até à sua representação na produção artística de Artur Bual e José Rodrigues.
Origem da Crucificação
Quando referimos o termo “crucificação”, de imediato lembramo-nos da execução de Jesus Cristo na cruz (o corpo esticado e suspenso). Esta prática cruel, em que uma pessoa é deixada a morrer numa estaca, terá surgido por ordem do rei assírio Salmanasar, no século IX a.C., através de brutais campanhas militares exercidas pelo império assírio sobre as civilizações vizinhas que se opunham ao regime. Os primeiros registos deste acto, em termos de representação artística, surgem no palácio do rei Salmanasar em algumas esculturas e altos-relevos.
A crucificação romana, que conhecemos hoje pelas representações de Jesus Cristo na cruz, só surgiu em 332 a.C, com Alexandre, o Grande. Transitamos, assim, de empalação assíria para a crucificação romana, quando o rei macedónio mandou, pela primeira vez, pendurar em estacas pelas mãos os sobreviventes da conquista da ilha de Tiro. Deste modo, tornou-se uma prática comum entre muitos povos, como assírios, persas, egípcios, cartagineses e romanos.
A morte numa verdadeira cruz aparece com os romanos. Esta é destinada aos cidadãos não romanos, escravos ou pessoas desobedientes, segundo o Estado. No século IV, esta prática acabou por ser abolida; contudo, a cruz tornou-se para os cristãos um símbolo de fé permanente.
Iconografia da Crucificação
A representação da cruz, tornou-se um símbolo cristão várias vezes retratado na arte, por exprimir o sofrimento de Cristo, mas também a sua salvação. Surgem, a partir do século V, as primeiras representações de Cristo na cruz como uma figura triunfante e sem vestígios de sofrimento. Durante este período, existiram dois tipos de representações: Cristo nu, com um tecido cobrindo as partes íntimas, sem os pés cravados na cruz, e uma segunda, na qual é retratado com uma túnica larga e com elementos simbólicos como o sol. Um dos primeiros exemplos de Jesus Cristo a sofrer na cruz surge no século XIII, com o crucifixo de Cimabue, no qual é representado com a cabeça baixa e com o corpo completamente contorcido.
Este tipo de representação foi evoluindo, tornando-se cada vez mais complexa, iconograficamente, pela inclusão de figuras no cenário da crucificação e pela introdução de novas técnicas. É exemplo disso a pintura de Trinity de Masaccio, em que é introduzido, pela primeira vez, o uso da perspectiva. A idealização de Cristo na cruz tem o seu auge no período barroco, pela expressão e movimento característico desta época.
Artur Bual e José Rodrigues: A Representação da Crucificação
Numa altura em que os artistas têm uma maior liberdade de escolha em relação aos assuntos que abordam, vemo-los a representar temáticas que outrora estiveram ligadas a importantes encomendas para membros da corte ou instituições religiosas.
No século XX, o tema da crucificação é retomado com uma nova perspectiva, mais pessoal, por vários artistas, como Pablo Picasso, Salvador Dalí, Francis Bacon, Marc Chagall, Paul Gaugin e Edward Munch. Em Portugal, esta representação continua presente no plano artístico. São exemplos disso o pintor Artur Bual e o escultor José Rodrigues.
Rompendo com os esquemas tradicionais da crucificação, Artur Bual traz as suas emoções para a tela. Preto, branco, vermelho, azul e cinzento são as cores que preenchem estas pinturas criadas a partir de gestos largos. No esquema figurativo da crucificação evidencia-se a dor e a tragédia, através do rosto de Cristo e dos traços a pincel e tinta negra.
Foi através da representação do próprio ato de pintar, num debate entre o abstrato e a figuração, que Artur Bual se tornou num dos primeiros pintores gestuais abstratos portugueses.
Por outro lado, José Rodrigues criou diversas obras com temáticas religiosas, incluindo uma longa série de esculturas e desenhos que demonstram o sofrimento de Cristo. As suas peças proporcionam uma analogia de sensações, identificando o artista e o espectador com a imagem de Cristo num ato de auto-retrato. Envolvida em traços expressionistas, a crucificação é abordada na obra do artista português de uma forma intimista e concentrada no sofrimento físico de Cristo.
A partir das representações presentes no Marketplace da P55 destes dois artistas portugueses, compreendemos que, na contemporaneidade, os artistas preocupam-se em representar este episódio religioso de forma a oferecer um entendimento sobre as suas próprias sensações, numa intenção de as transmitir para o espectador. Além de obras religiosas, Artur Bual e José Rodrigues oferecem um leque de peças que poderá ser contemplado no Marketplace da P55.