A época das transformações
O século XX foi marcado pelas grandes mudanças sociais, políticas, económicas e simultaneamente no mundo artístico a expansão do conceito de arte. As vanguardas russas, os ready-mades de Marcel Duchamp, as colagens de Pablo Picasso e Georges Braque, entre outras criações, transformaram a nossa percepção perante uma obra de arte. Na década de 1960, começam a surgir no campo das artes, as preocupações ambientais e ecológicas, com artistas a questionar nas suas obras, a nossa própria sobrevivência e as consequências da ação humana nos recursos naturais. Numa altura em que se pensava na arte como pertencente a um espaço fechado, a museus, e galerias, um número crescente de artistas começou a produzir no exterior. Ao realizar esta ação renovaram a ideia de noção de exposição, questionam o enquadramento da arte e esta separação e ampliaram o conceito de arte. A arte deixa de ser uma representação, sendo parte integrante da vida. Deste modo, a arte em si não tem a função de explicar a vida, mas mudá-la. Mas pode a arte realmente mudar o mundo?
Agnes Denes e Alberto Carneiro: Arte ecologica?
Na década de 1960, de modo a potencializar uma harmonização e um reparo com a natureza, muitos artistas começaram a produzir obras nas quais a natureza foi o próprio material. As preocupações dos artistas com os atos do ser humano no meio ambiente foram refletidas no campo das artes através de obras produzidas a partir da própria natureza no exterior e no interior das galerias ou museus. Assim, vemos o crescimento de movimentos como a land art que ligam a arte e natureza, ao utilizarem o meio ambiente, praias, montanhas, desertos e os seus recursos naturais como a terra, a madeira, a rocha, o sal, as folhas, entre outros materiais, como um local e material de experimentação. Agnes Denes, atualmente conhecida como a pioneira da arte ecologica, ficou conhecida pela monumental obra de arte pública "Wheatfield—A Confrontation" (1982), um campo de trigo em Nova York, que critica a má gestão da fome mundial, comida, desperdício, energia , comércio, comércio, uso da terra e economia. Devido à escolha do espaço e dos materiais estas obras são efémeras sendo que muitas vezes só são guardadas a partir de fotografias. Os artistas saíram dos museus para expandir a sua produção na natureza de forma a criticar a própria indústria cultural, nomeadamente o mercado da arte, contudo atualmente estas obras são geridas e conservadas por museus, diminuindo o intuito artístico da efemeridade da obra. A par do desenvolvimento da land art, conceitos como a ecologia e sustentabilidade, começaram a ganhar uma grande importância na vida da população. Em Portugal, devido ao contexto político, existiu um atraso em relação às práticas artísticas da Europa e dos Estados Unidos da América. Alberto Carneiro foi um dos artistas que explorou a utilização de materiais naturais no campo da escultura. Este não se interligou à land art mas à memória de um mundo rural que lhe era próximo. Deste modo, vemos as preocupações dos artistas espelhadas na sua produção, sejam preocupações ecológicas ou de simples intuito de experimentação artística na natureza.
Os projetos de renovação ecológica urbana de Joseph Beuys
Na década de 1970, Beuys começou por realizar vários projetos de protesto ecológico. Por exemplo, em 1971, executou o protesto “Overcome Party Dictatorship Now”, no qual as pessoas tiveram de varrer o chão da floresta e pintar cruzes brancas e círculos em todas as árvores que iriam ser cortadas. Em 1972, durante a Documenta V permaneceu durante cem dias, dia e noite, discutindo e dialogando com os visitantes. Na década de 1980, criou o projeto “Spüfield Altenwerder”, no qual foram plantados arbustos e árvores nos apartamentos poluídos de Altenwerder. Em 1982, para a Documenta VII, Beuys planeou a plantação de 7000 carvalhos em toda a cidade de Kassel. Para insentivar a população empilhou 7000 pedras no jardim em frente ao Museu Fridericianum, durante o evento da Documenta. Qualquer pessoa podia plantar a árvore juntamente com uma pedra (Cada carvalho encontrava-se associado a uma pedra de basalto.) Além do impacto visual das pedras no jardim que acabam por forças as pessoas a agir, Beuys ao estabelecer esta junção também estava certamente a pensar na ajuda no crescimento e estabilidade que a pedra iria conceber na árvore. Este projeto “7000 Oaks” demorou cinco anos a ser concluído, tendo sido simbolicamente o último carvalho plantado pelo filho do artista. Em 1984, instalou a escultura “Olivestones” que promoveu a despoluição do lago na área urbana de Hamburgo. Estes projetos são vistos até hoje como gestos de renovação ecológica urbana.
Escultura Social é uma forma de ativismo?
Nesta década dominada pelo discurso estético e pelas práticas artísticas sociais, denota-se que a teoria da Escultura Social de Beuys e as suas práticas encontravam-se completamente envolvidas no contexto e na mentalidade alemã dos anos 1960. Este conceito surgiu como forma de explicar a extensão do seu pensamento em relação à arte. O artista alemão ampliou o conceito de escultura referindo que esta tem a capacidade de estender as suas possibilidades podendo ser constituída em vários formatos e estar em constante mutação. Desta forma, a escultura pode consistir em formas invisíveis tal como o pensamento e o diálogo. A ideia de Escultura Social é a fusão deste conceito de escultura expandido para a sociedade.
“My objects are to be seen as stimulants for the transformation of the idea of sculpture, or of art in general. They should provoke thought about what sculpture can be and how the concept of sculping can be extended to the invisible materials used by everyone: Thinking Forms – how we mould our thoughts or Spoken Forms – how we shape our thoughts into words or Social Sculpture how we mould and shape the world in which we live: Sculpture as an evolutionary process; everyone an artist.” - Joseph Beuys
Ao expandir o conceito de escultura, consequentemente a ideia de arte também é amplificada. Para Joseph Beuys todos os atos humanos que são pensados e estruturados são atos criativos. Assim, pensamentos ou diálogos que pretendam provocar na sociedade um processo de evolução são considerados uma Escultura Social, uma integração da arte como parte da vida. O artista alemão acreditava que a única força capaz de mudar a humanidade e a ordem social era a arte, a partir da criatividade humana. Deste modo, a criatividade deveria ser moeda de troca das relações humanas, invés do capital ou o lucro. Com base no conceito Escultura Social, Beuys pensou na arte não como um objeto-orientador de uma ação, mas como uma solução para os problemas sociais, nomeadamente ecológicos. A partir desta ideia, atualmente continuam a existir artistas que produzem, peças que se enquadram no conceito de Escultura Social pois tentam transmitir ou provocar uma transformação na sociedade. De que forma continuam os artistas de hoje a dar continuidade ao pensamento de Joseph Beuys?
Projetos artísticos envolvido no ativismo e ecologismo
O artista Rirkrit Tiravanija, tal como Beuys, também estabeleceu na sua prática uma união entre a arte e a vida. No final da década de 1990, o artista criou “The Land”, um projeto de recuperação ambiental em Sanpatong na Tailândia. Neste espaço aberto à comunidade as pessoas podem cultivar, construir casas sustentáveis, entre outras atividades que levam à experimentação e ao debate.
Existem outros projetos que envolvem a comunidade de forma a estabelecer um novo contacto, uma nova experiência, como por exemplo “Bródno 2000”. Em fevereiro de 2000, o artista Pawel Althamer teve de comunicar com os residentes do bloco de apartamento em 13 Krasnobrodzka St., em Varsóvia, para o ajudarem na sua peça. Cerca de 200 famílias foram envolvidas neste projeto, ao acender e apagar as luzes de janelas específicas, para formarem o número “2000” na fachada do prédio durante meia hora. Na Documenta XI em 2002, Thomas Hirschhorn construiu “Bataille Monument”, uma instalação tributo ao filósofo George Bataille, localizada em Friedrich-Wöhler Siedlung, num subúrbio socioeconômico de Kassel. Foi composto por uma biblioteca, uma exposição, uma cafetaria, uma escultura e um estúdio de televisão onde se realizaram seminários e conferências. O artista construiu um novo espaço alternativo onde foram realizadas atividades comuns pela comunidade residente e pelos visitantes da exposição.
Bordalo II
O artista português Artur Bordalo, conhecido como Bordalo II, ficou famoso por usar o lixo das ruas para criar esculturas de animais deslumbrantes, com o propósito de alertar as pessoas sobre a poluição e todos os tipos de espécies que se encontram ameaçadas de extinção. A partir da street art desenvolveu a sua prática, evoluindo para o que hoje é considerado de «trash art». Desde 2012, Artur Bordalo criou cerca de duzentas esculturas de animais utilizando mais de 60 toneladas de materiais reaproveitados. Os objetos outrora abandonados - as chapas, os pneus, as portas - nas mãos de Bordalo II adquirem uma função de ordem estética e comunicativa, em formato de animais. O artista português quer representar nos seus trabalhos uma imagem da natureza, a partir daquilo que os destrói - o lixo, o desperdício e a poluição, expressando claramente uma crítica ao consumismo e oferecendo uma solução de sustentabilidade. As suas instalações “Big Trash Animals”, dispersas por vários locais do mundo - públicos ou museológicos - gritam sobre a necessidade de sustentabilidade sócio-ecológica. Nas ruas da sua cidade natal, uma série de trabalhos, ”Provocative” e “Train Tracks”, interagem com o tecido e o mobiliário urbano, apresentando um novo olhar crítico sobre a sociedade, os seus stakeholders e condicionantes. Estas pequenas intervenções efémeras buscam ser um veículo de comunicação e conscientização por meio da arte, abordando assim temas diversos, como poluição, exploração da mulher, sensacionalismo mediático, conectividade e controle, entre outros.
Crédito Fotográfico Barbara Picci
Pedro Reyes
Recentemente, em 2007, na cidade de Culiancán no México, o artista Pedro Reyes organizou uma campanha, na qual os cidadãos poderiam voluntariamente doar as suas armas em troca de cupons. Estes poderiam ser usados em lojas locais em troca de eletrodomésticos e outros objetos eletrônicos. Esta campanha localizou-se numa cidade com uma alta taxa de mortalidade devido às armas de fogo. Foram recolhidas 1527 armas das quais 40% eram armas automáticas de alta potência de uso militar. Estas foram transportadas para uma zona militar para serem esmagadas por um compressor publicamente. Após este ato as peças foram transformadas em 1527 pás que foram distribuídas por diferentes instituições de arte e escolas para que estas pás ajudassem na plantação de 1527 árvores.
Qual é o potencial da Arte?
Todas estas obras são desafiantes e provocam tensões entre os espectadores, os participantes e os espaços onde se realizam. Compreendesse, a partir destes projetos, o potencial da arte de educar e de transformar o mundo! Ao estabelecerem um confronto contemplativo estes criam debates sobre os problemas sociais, estruturais e políticos dos espaços envolvidos. Estes artistas ignoram a divisão entre arte e vida, dando o seu contributo artístico de forma a construir ou melhorar o ambiente comunitário. A partir de atividades quotidianas estes artistas envolvem a comunidade, criam estruturas e realizam colaborações para que haja uma transformação social.
Contudo, qual é o verdadeiro potencial da arte em relação à sua possível transformação na sociedade?
A Arte consegue mudar o mundo?
Ao analisar as obras referidas percebesse que a arte em si não pode mudar diretamente o mundo, mas sim levantar questões sobre este. A arte poderá modificar a nossa visão, levando o espectador a interrogar-se sobre várias questões que podem ser políticas, económicas ou ecológicas. A arte tem o poder de informar, esclarecer ou interrogar e isso pode levar à transformação.
Os artistas atualmente acreditam que estão a modificar o mundo através das suas ações artísticas? Joseph Beuys acreditava que a arte poderia curar o mundo. Em contraste com esta ideia, os artistas atualmente, não consideram na sua maioria que as suas obras de arte estejam a modificar o mundo diretamente. Compartilham a visão que a arte pode levantar questões e que estas poderão levar à transformação social. O conceito de Escultura Social perdura no contexto da transformação social, a partir da criação de estruturas comunitárias que confrontam e criam debates sobre as dificuldades e os problemas sociais, ecológicos, políticos ou económicos.